domingo, 23 de agosto de 2009

Diário de Bordo: Experiências de uma professora de primeira viagem II

A Realidade das Nossas Escolas

Profissão professor, muito prazer! Antes tinha medo, agora sei que nasci pra fazer isso. Estou amando minhas manhãs no estágio, aquelas crianças, apesar de inquietas, são encantadoras, ainda mais quando se pensa na realidade da vida delas...

Não vou dizer que é fácil, não é nem um pouco, principalmente quando nossos alunos são crianças de uma realidade triste como a dos meus. Eu fico pensando no quanto nós estragamos o futuro dessas crianças, digo nós me referindo à sociedade como um todo, principalmente a parcela que não tem muito com o que se preocupar.

Estamos trancados no nosso mundo, esquecemos dos outros. Existem milhares e milhares de crianças numa situação triste e elas não estão muito longe de nós. Quando cheguei na minha sala observei o quanto eles são carentes e não apenas de bens materiais, mas de carinho. Percebo o quanto eles esperam a hora do intervalo para comerem aqueles oito biscoitos contados, sem suco, sem água, sem nada, seco. Eles estão sem fardamento, sem material, sem muita coisa. E eu fico indignada com isso.

Essa semana quando questionei a eles sobre o fardamento desse ano que ainda não chegou, um aluno virou pra mim e disse que o governo não tem obrigação de dar farda a ninguém não, já basta a escola que é de graça. Olha a ideologia que ele carrega... Ele aprendeu isso sozinho? Não mesmo! Eu então comecei a falar sobre os impostos que todos nós pagamos, inclusive eles e que o prefeito está ali apenas para gerir o município e cuidar daquilo que é nosso por direito, pois somos nós que suamos para pagar as contas do estado. Ele ficou surpreso, não sabia de nada daquilo.

Mas foi na última semana que aconteceu o episódio que mais me deixou perplexa, triste e preocupada e, infelizmente, não pude fazer muita coisa. No momento da aula o estagiário viu que os meninos estavam brincando e então ele chegou perto deles e viu do que se tratava a brincadeira: os meninos estavam brincando de tráfico de drogas. Sim, é assustador, eles são crianças de 10 e 11 anos, mas é verdade.

Não brigamos com eles, apenas recolhemos os cigarrinhos e as bolinhas de papel que representavam na brincadeira deles a maconha e o crack. Foi então que eu percebi que a brincadeira do recreio não é de polícia e ladrão e sim de brigas de traficantes que tentam um roubar a boca do outro.

E aí, o que fazer? A coordenora nos orientou a não fazer nada, apenas fingir que não viu do que a brincadeira se trata, pedir que eles participem da aula e brinquem depois e pronto. Muitos estagiários e professores tiveram que ser transferidos da escola por tentarem fazer alguma coisa. Por isso que a direção nunca realizou o desejo de levar para a escola peças teatrais ou profissionais que falassem das drogas para essas crianças... Infelizmente, eles imitam a vida que vêem passar em casa, na rua em que moram, com pais, irmãos, tios, ou seja, as pessoas que são as referencias da vida deles.

Os pais dessas crianças são os primeiros a ameaçarem àqueles que fizerem alguma coisa, afinal, eles estão envolvidos com isso, é dessa atividade que eles retiram o sustento de casa e através disso que as crianças têm, pouco ou muito, o que comer... E eu, tão pequena diante disso, resolvi agir de outra forma. Como?

Estou pensando em mil e uma idéias para evitar pelo menos que eles brinquem dessas coisas. Se não posso chegar e conversar com eles, levar para a sala textos que tratem disso, imagens que mostrem o que as drogas trazem para a vida de uma pessoa, porquê se fizer isso posso sofrer as consequências pagando até com a minha vida, eu irei levar para eles atividades que os ocupem de maneira positiva.

Estou procurando brincadeiras para fazer no intervalo e recolhendo materiais que possa utilizar com eles. Estou buscando novas maneiras de dar aulas, através de dinâmicas, brincadeiras, atividades lúdicas. E, o mais importante, estou dando todo o carinho e atenção que posso àquelas crianças, eles precisam tanto de amor, de um cafuné, de um abraço ou um sorriso... Eu queria poder mudar isso, sabe? Se dependesse da minha vontade a realidade já seria outra, mas sou apenas uma e, fazendo trabalho de formiguinha ou não, eu vou fazer a minha parte.

Espero que aquelas crianças contrariem todas as expectativas que a sociedade tem sobre eles e cresçam muito na vida. Eu sei que as pessoas olham e acham eles tão incapazes, dizem que eles vão ficar na favela, no mundo das drogas, matando e roubando, que não vão nem terminar a escola. Entretanto, eu vejo neles meninos inteligentíssimos, e são mesmo, pegam tudo muito fácil, precisam apenas de um impulso.

Profissão professor, a única que ainda pode mudar muito esse mundo. Eu me sinto responsável e continuarei fazendo tudo o que for possível por aqueles que passarem na minha vida.

Laís Assis

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